Há alguns anos em um hospital
público qualquer...
“- Por favor, chamem o maqueiro
para descer o paciente para o tomógrafo, já está tudo pronto, respirador de
transporte, bala de oxigênio e bomba infusora, só falta ele”, gritou a
enfermeira.
“-Já chamei há mais de dez
minutos, não vou ligar novamente não.” Respondeu uma voz no meio da unidade.
“-Ok, deixa que eu mesmo ligo. Se
eu não fizer as coisas aqui ninguém faz”.
Dez minutos depois ainda estavam
todos a esperar o funcionário do transporte quando adentra ao CTI um sujeito de
aproximadamente 65 anos, cabelos brancos, fácies bem envelhecida, bermuda jeans,
chinelo havaiana, camiseta regata do Flamengo e boné vermelho. Imediatamente o
mesmo foi interpelado.
“-Senhor, nessa unidade não é
permitido a entrada de pessoas que não trabalham aqui, apenas no horário de
visita, o senhor por favor queira se retirar”.
“-Como assim? Acabaram de me
chamar aqui”, responde o sujeito.
“-Como assim digo eu, quem é o
senhor? Vou chamar agora a segurança do hospital.”
“-Senhora, eu sou o maqueiro”...
Num primeiro momento esse diálogo
poderia soar algo ridículo. Como poderiam permitir um sujeito trabalhar nesses
trajes dentro de um hospital, ainda mais dentro de uma UTI. Esse certamente é o
pensamento da maioria das pessoas que leem esse diálogo, mas para enxergar essa
situação de outro ângulo é necessário alguns anos de experiência dentro dessas
unidades.
Na realidade, esse maqueiro única
e exclusivamente podia trabalhar nos trajes que ele quisesse, inclusive até de
sunga. Acredito que as pessoas devem estar se perguntando o porquê, seria ele
tão bom assim ao empurrar aquelas macas com rodinhas emperradas a ponto de ter
toda essa liberdade? A resposta é não.
Era tão competente quanto os outros, mas havia uma diferença, ele já
estava aposentado há alguns anos e, depois de 30 anos de suor diário naquela
unidade, havia voltado para trabalhar voluntariamente, sem receber sequer um
centavo. E pasmem, não possuía mais o cartão que o dava direito a almoçar no
refeitório oficialmente, mas as funcionárias da cozinha sempre reservavam um
bom prato para que ele comesse depois que o horário do almoço acabasse afinal,
todos sabiam da sua condição. O fato é que se ele não tivesse ali naquele
momento, o paciente iria esperar mais alguns minutos para descer para o
tomógrafo pois os outros maqueiros estavam todos ocupados.
Depois de 30 anos trabalhados
naquele ambiente, seria prudente que ele gastasse todo esse dinheiro da aposentadoria
em viagens com a família. Mas que família? Que aposentadoria? Apesar de morar
ao lado do hospital, ele queria era ficar ali trabalhando pois tinha comida boa
pronta todos os dias no famoso bandeijão, amigos para discutir na segunda-feira
os resultados do Campeonato Brasileiro e do jogo do bicho, tomava sua
cervejinha no bar ao lado ao final do expediente, tratava sua hipertensão
arterial e diabetes com um doutor do ambulatório de clínica médica e pegava os
remédios na própria farmácia do hospital. Estava programando sua cirurgia de
hérnia inguinal com a equipe de cirurgia geral e, sua esposa havia operado um
aneurisma cerebral e também colocado uma válvula (DVP) há alguns anos com a
neurocirurgia, a qual era muito grato. Ela, apesar de ter se recuperado bem,
ainda usava o Hidantal e dependia da ajuda do marido.
Enfim, é difícil resumir em
algumas frases o que se leva anos para aprender: o que é o espírito do hospital
público. Um local onde as pessoas nem sempre tem uma condição de trabalho
adequada, mas o abraçam e o tomam para a sua vida.
Bernardo de Andrada