quarta-feira, 25 de julho de 2012

Poema do Cirurgião


Passa o dia no centro cirúrgico
Sem fazer questão de luxo
Só querendo dar o impulso
Pra natureza seguir seu fluxo

Feliz de quem pode tratar
Aconselhar e remediar
E se precisar cirurgiar
Com coragem vai encarar
  
Conhece a fundo a anatomia
E a linhagem da neoplasia
Se um pouco sangra sua cirurgia
Quebra assim a monotonia

Prático e sempre obejtivo
Evita ao máximo ser emotivo
Se frente um caso mais altivo
Logo se torna pensativo

Luta sempre contra a vaidade
E procura pela humildade
Mas bem no fundo ele sabe
Seu trabalho é obra de arte


Autor: Dr. Bernardo de Andrada 

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Brainstem Surgery


A few days ago I could watch a famous neurosurgeon doing three followed and identic surgeries. With an audience of doctors to watch, he left a room and entered another where everything was ready for him, including the approach. He had Spent average ten minutes in each one and successfully  removed  three cavernomas of medulla oblonga (kind of tumor of veins that can lies any part of our brain and other organs). In those cases, the lesions were located in the most noble part of our body, the brainstem. Although of living in neurosurgery environment for five years, I have never seen anything similar before. While he was handling the tumor, all of us were breathing carefully and too concentrated, there was no safety margin. After finished the last one, he thanked all and left the room to continue his life.
While it was happening, there was three commom people like us, maybe a lawyer, basketball player or bus driver, that unfortunatelly was the patient in that moment and was sleeping deeply due to one of the most important discovery of the humanity, the anesthesics. If these people had a little bit knowledge from neuroanatomy of Dr. Rothon or neurophisiology I really do not know if they dare to lie down there.
Undoubtedly in surgery world, is not anyone that has skills to handle safely with this sort of lesions. Where is located the control of all our vital functions, through it passes all the sensory and motors pathways, hosts the center of control of breathing, cardiac rate, blood pressure, part of the chewing, speech, swallowing, hearing pathways, control of ocular motility, motor coordination and maintenance of wakefulness. We should thank it for we are awake, there are a structure called reticular formation that is responsible for the maintenance of our wakefulness. Once I read in an anatomy book that the brainstem is the part of central nervous system that had more neurological function concentrated in the less volume. No wonder that nature protected it surrounded by bones, among them the hardest and most solid of all, the petrous portion of temporal bone, the name came from the similarity with the firmness of a stone and so it is also known as rock .
If you propose to handle the núcleus, the core of a person, it would be courage added confidence, the conflict of the security with audacity plus knowledge with a couple of prudence and responsibility. You have to concentrate your thoughts on the technique and momentarily forget the risks and all past and future that exist around that patient. You have to put the whole weight of your body upon years of study of anatomy and physiology and don't let the fear make difference on this seesaw. Moreover, the most important when we propose to do a surgery of this size is respect for the others' lives, more than that, respect for the patient, who are naked of distrust.
Might the most ancient Greek philosophers in the fifth century before Christ know all this concentration of functions and importance within a single structure? Might it be involved in the answer of "the one big question" of what constitutes reality and existence? Overall, if I could summarize the fact of being alive in just one word undoubtely would be the brain stem, since damaged it integrity is no more reality or existence.

Bernardo de Andrada

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Cirurgia no Tronco Cerebral


Esses dias assisti um famoso neurocirurgião fazer três cirurgias seguidas iguais. Com uma plateia de médicos a assistir, ele saía de uma sala e entrava na outra onde já estava tudo pronto, inclusive o acesso, esperando ele para brilhar. Gastando em média dez minutos em cada ele conseguiu remover com sucesso os três cavernomas (uma espécie de tumor de veias que pode ocorrer em diferentes áreas do cérebro e outros órgãos). Nestes casos, as três lesões se localizavam na área mais nobre do nosso corpo, o bulbo, parte do tronco cerebral. Há cinco anos vivendo neurocirurgia ainda não tinha visto algo parecido. No momento em que ele manipulava delicadamente a lesão o silêncio pairava na sala e o nível de concentração de todos era o máximo, não havia margem de segurança nem de milímetros sequer e, durante o procedimento os presentes sentiam até medo de respirar mais fundo. Ao fim da terceira e última ele agradeceu a todos pela colaboração e saiu para continuar sua vida.
Enquanto tudo isso acontecia havia três pessoas comuns como todos nós, seriam elas um advogado, jogador de basquete, motorista de ônibus ou qualquer outra profissão, mas que por azar ou outro motivo qualquer, naquele momento eram os pacientes e estavam dormindo profundamente sem saber de nada graças ao efeito de uma das maiores descobertas do homem, os anestésicos. Se esses mesmos sujeitos já tivessem antes na vida mergulhado nas profundezas dos livros de neuroanatomia do Dr. Rothon ou se tivessem uma breve noção de neurofisiologia, não sei se teriam coragem de deitar naquela mesa cirúrgica.
Mas com certeza em cirurgia existe um termo que faz toda a diferença: a “mão”. Não é qualquer um que tem “mão para mexer no tronco cerebral”. Sede do controle de todas as funções vitais do nosso corpo, nele também passa todas as informações produzidas ou processadas pelo nosso cérebro. Comporta em sua anatomia todas as vias sensitivas e motoras além de abrigar o controle da respiração, batimentos cardíacos, pressão arterial, boa parte da mastigação, fala, deglutição, vias auditivas, controle da motilidade ocular, coordenação motora e manutenção da vigília.  Devemos o fato de estarmos de olhos abertos e conscientes a ele já que comporta dentro de si a formação reticular, estrutura que nada mais nada menos nos mantém acordados. Certa vez li num livro de neuroanatomia que essa seria a estrutura que mais concentrava funções neurológicas dentro de um menor volume, ou seja, a mais densa do sistema nervoso central em termos de funções. Não é a toa que a natureza o protegeu cercado de ossos, dentre eles o mais duro e consistente de todos, a porção petrosa do osso temporal, o nome é justamente pela semelhança com a firmeza de uma pedra e por isso também é conhecido como rochedo.
Se propor a manipular a essência, o núcleo de uma pessoa, seria atrevimento somado a confiança, o conflito da audácia com a segurança, a soma da coragem com o conhecimento com um toque de prudência e responsabilidade. É você poder concentrar seus pensamentos no tecnicismo e esquecer momentaneamente dos riscos, de todo passado e futuro que existem ao redor daquele paciente. É depositar todo o peso do seu corpo em cima de anos de estudo de anatomia e fisiologia, sem deixar que o medo faça diferença nessa gangorra. Além de tudo isso, o mais importante quando se propõe a fazer uma cirurgia desse porte é o respeito à vida alheia, mais do que isso, o respeito ao paciente que se despiu da desconfiança e se entregou, como se fosse uma mercadoria, a uma loja de consertos sem saber o que vai ser feito lá dentro.
Saberiam os antigos filósofos gregos no quinto século antes de Cristo de toda essa concentração de funções e importância dentro de uma só estrutura? Estaria ela envolvida na resposta da grande pergunta, do que se constitui a realidade? Do que se constitui a existência? Enfim, se pudesse resumir o fato de estar vivo em uma só palavra sem dúvidas seria tronco cerebral, uma vez que danificada sua integridade não existe mais realidade nem existência.

Bernardo de Andrada

segunda-feira, 2 de julho de 2012

A Crônica do Hospital Público


Há alguns anos em um hospital público qualquer...

“- Por favor, chamem o maqueiro para descer o paciente para o tomógrafo, já está tudo pronto, respirador de transporte, bala de oxigênio e bomba infusora, só falta ele”, gritou a enfermeira. 

“-Já chamei há mais de dez minutos, não vou ligar novamente não.” Respondeu uma voz no meio da unidade.

“-Ok, deixa que eu mesmo ligo. Se eu não fizer as coisas aqui ninguém faz”.

Dez minutos depois ainda estavam todos a esperar o funcionário do transporte quando adentra ao CTI um sujeito de aproximadamente 65 anos, cabelos brancos, fácies bem envelhecida, bermuda jeans, chinelo havaiana, camiseta regata do Flamengo e boné vermelho. Imediatamente o mesmo foi interpelado.

“-Senhor, nessa unidade não é permitido a entrada de pessoas que não trabalham aqui, apenas no horário de visita, o senhor por favor queira se retirar”.

“-Como assim? Acabaram de me chamar aqui”, responde o sujeito.

“-Como assim digo eu, quem é o senhor? Vou chamar agora a segurança do hospital.”

“-Senhora, eu sou o maqueiro”...

Num primeiro momento esse diálogo poderia soar algo ridículo. Como poderiam permitir um sujeito trabalhar nesses trajes dentro de um hospital, ainda mais dentro de uma UTI. Esse certamente é o pensamento da maioria das pessoas que leem esse diálogo, mas para enxergar essa situação de outro ângulo é necessário alguns anos de experiência dentro dessas unidades.
Na realidade, esse maqueiro única e exclusivamente podia trabalhar nos trajes que ele quisesse, inclusive até de sunga. Acredito que as pessoas devem estar se perguntando o porquê, seria ele tão bom assim ao empurrar aquelas macas com rodinhas emperradas a ponto de ter toda essa liberdade? A resposta é não.  Era tão competente quanto os outros, mas havia uma diferença, ele já estava aposentado há alguns anos e, depois de 30 anos de suor diário naquela unidade, havia voltado para trabalhar voluntariamente, sem receber sequer um centavo. E pasmem, não possuía mais o cartão que o dava direito a almoçar no refeitório oficialmente, mas as funcionárias da cozinha sempre reservavam um bom prato para que ele comesse depois que o horário do almoço acabasse afinal, todos sabiam da sua condição. O fato é que se ele não tivesse ali naquele momento, o paciente iria esperar mais alguns minutos para descer para o tomógrafo pois os outros maqueiros estavam todos ocupados.
Depois de 30 anos trabalhados naquele ambiente, seria prudente que ele gastasse todo esse dinheiro da aposentadoria em viagens com a família. Mas que família? Que aposentadoria? Apesar de morar ao lado do hospital, ele queria era ficar ali trabalhando pois tinha comida boa pronta todos os dias no famoso bandeijão, amigos para discutir na segunda-feira os resultados do Campeonato Brasileiro e do jogo do bicho, tomava sua cervejinha no bar ao lado ao final do expediente, tratava sua hipertensão arterial e diabetes com um doutor do ambulatório de clínica médica e pegava os remédios na própria farmácia do hospital. Estava programando sua cirurgia de hérnia inguinal com a equipe de cirurgia geral e, sua esposa havia operado um aneurisma cerebral e também colocado uma válvula (DVP) há alguns anos com a neurocirurgia, a qual era muito grato. Ela, apesar de ter se recuperado bem, ainda usava o Hidantal e dependia da ajuda do marido.
Enfim, é difícil resumir em algumas frases o que se leva anos para aprender: o que é o espírito do hospital público. Um local onde as pessoas nem sempre tem uma condição de trabalho adequada, mas o abraçam e o tomam para a sua vida.

Bernardo de Andrada