segunda-feira, 2 de julho de 2012

A Crônica do Hospital Público


Há alguns anos em um hospital público qualquer...

“- Por favor, chamem o maqueiro para descer o paciente para o tomógrafo, já está tudo pronto, respirador de transporte, bala de oxigênio e bomba infusora, só falta ele”, gritou a enfermeira. 

“-Já chamei há mais de dez minutos, não vou ligar novamente não.” Respondeu uma voz no meio da unidade.

“-Ok, deixa que eu mesmo ligo. Se eu não fizer as coisas aqui ninguém faz”.

Dez minutos depois ainda estavam todos a esperar o funcionário do transporte quando adentra ao CTI um sujeito de aproximadamente 65 anos, cabelos brancos, fácies bem envelhecida, bermuda jeans, chinelo havaiana, camiseta regata do Flamengo e boné vermelho. Imediatamente o mesmo foi interpelado.

“-Senhor, nessa unidade não é permitido a entrada de pessoas que não trabalham aqui, apenas no horário de visita, o senhor por favor queira se retirar”.

“-Como assim? Acabaram de me chamar aqui”, responde o sujeito.

“-Como assim digo eu, quem é o senhor? Vou chamar agora a segurança do hospital.”

“-Senhora, eu sou o maqueiro”...

Num primeiro momento esse diálogo poderia soar algo ridículo. Como poderiam permitir um sujeito trabalhar nesses trajes dentro de um hospital, ainda mais dentro de uma UTI. Esse certamente é o pensamento da maioria das pessoas que leem esse diálogo, mas para enxergar essa situação de outro ângulo é necessário alguns anos de experiência dentro dessas unidades.
Na realidade, esse maqueiro única e exclusivamente podia trabalhar nos trajes que ele quisesse, inclusive até de sunga. Acredito que as pessoas devem estar se perguntando o porquê, seria ele tão bom assim ao empurrar aquelas macas com rodinhas emperradas a ponto de ter toda essa liberdade? A resposta é não.  Era tão competente quanto os outros, mas havia uma diferença, ele já estava aposentado há alguns anos e, depois de 30 anos de suor diário naquela unidade, havia voltado para trabalhar voluntariamente, sem receber sequer um centavo. E pasmem, não possuía mais o cartão que o dava direito a almoçar no refeitório oficialmente, mas as funcionárias da cozinha sempre reservavam um bom prato para que ele comesse depois que o horário do almoço acabasse afinal, todos sabiam da sua condição. O fato é que se ele não tivesse ali naquele momento, o paciente iria esperar mais alguns minutos para descer para o tomógrafo pois os outros maqueiros estavam todos ocupados.
Depois de 30 anos trabalhados naquele ambiente, seria prudente que ele gastasse todo esse dinheiro da aposentadoria em viagens com a família. Mas que família? Que aposentadoria? Apesar de morar ao lado do hospital, ele queria era ficar ali trabalhando pois tinha comida boa pronta todos os dias no famoso bandeijão, amigos para discutir na segunda-feira os resultados do Campeonato Brasileiro e do jogo do bicho, tomava sua cervejinha no bar ao lado ao final do expediente, tratava sua hipertensão arterial e diabetes com um doutor do ambulatório de clínica médica e pegava os remédios na própria farmácia do hospital. Estava programando sua cirurgia de hérnia inguinal com a equipe de cirurgia geral e, sua esposa havia operado um aneurisma cerebral e também colocado uma válvula (DVP) há alguns anos com a neurocirurgia, a qual era muito grato. Ela, apesar de ter se recuperado bem, ainda usava o Hidantal e dependia da ajuda do marido.
Enfim, é difícil resumir em algumas frases o que se leva anos para aprender: o que é o espírito do hospital público. Um local onde as pessoas nem sempre tem uma condição de trabalho adequada, mas o abraçam e o tomam para a sua vida.

Bernardo de Andrada

Um comentário:

  1. Ok. tudo muito Lindo...mas como eu trabalhei por 16a. em um Hospital Público,concordo sim que os funcionários efetivos,digo concursados são simplesmente a minha tristeza! e como esse Sr. existe várias pessoas que ajudam com o coração de verdade.acredito que minha vida na saúde foi de eterna prestação de serviços HUMANOS.e agradeço a DEUS por ter essa oportunidade.

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