terça-feira, 29 de maio de 2012

Memórias


Na próxima sexta-feira, dia primeiro de junho, completará um mês do falecimento súbito e completamente inesperado de um colega de trabalho, o Dr. Armando da Glória Júnior. Neurocirurgião chefe do serviço do Hospital Municipal Salgado Filho há um ano e major do Corpo de Bombeiros, o Dr. Armando nos deixou de uma maneira muito repentina.
Nascido em uma família humilde em Acari, subúrbio do Rio de Janeiro,  o Dr. Armando lutou contra as adversidades da vida, como a falta de recursos e a perda de seus pais, e venceu. Formou-se em medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, fez residência em neurocirurgia no Instituto de Neurologia Deolindo Couto, tornou-se mestre também pela UFRJ, foi aprovado em concursos públicos, trabalhou duro e construiu uma família. Teve dois filhos e conseguiu lhes dar a oportunidade de estudar em uma das, senão a melhor, instituição de ensino básico da cidade. Há um ano havia assumido a chefia do serviço de neurocirurgia do Hospital Salgado Filho, no Méier, serviço com nome de peso e vinha fazendo grande parte das cirurgias eletivas daquele hospital. Sempre com bom humor, conseguia deixar o ambiente descontraído no meio de tanto trabalho e tantas dificuldades que o sistema público de saúde oferece. Passamos algumas madrugadas em claro ocupados em cirurgias de emergência e os bons resultados, eram sempre comemorados com muita vibração por ele. Cultivava a amizade e o bom relacionamento com os colegas de trabalho e era assumido apreciador das coisas boas da vida, como uma boa cozinha e um bom vinho. Possuía uma sonora gargalhada que era possível se ouvir do elevador, antes de se chegar ao corredor do andar, e se estivesse no centro cirúrgico todos sabiam porque era impossível não ouvir sua voz. Marcado pela sua religiosidade e crença, valorizava muito a família, a qual todos conheciam muito bem pois vivia a falar dos filhos e sempre carregava consigo uma boa coleção de fotos. Desencarnou com a certeza que contribuiu para a formação de algumas dezenas de neurocirurgiões que estão espalhados pelo Brasil.
Foto gentilmente cedida por Dr. Doutel de Andrade (tirada em 09/12/11 na Estrela do Sul, Recreio dos Bandeirantes).

sábado, 26 de maio de 2012

Experiência temporal

     Hoje pela manhã, estava fazendo meu café e por um breve momento senti um cheiro de tempero refogado vindo da casa do vizinho e lembrei imensamente da cozinha da minha Vovó Nair, há aproximadamente 13 anos atrás. Parecia que eu estava lá e o ambiente foi reproduzido com detalhes no meu cérebro, por um instante me senti como se estivesse presente no local há mais de dez anos. Apesar da vontade de continuar lá e explorar o ambiente guardado de maneira intacta na minha memória, a realidade da lembrança foi aos poucos se desfazendo, se perdendo e rapidamente se desmanchou e se foi pela janela junto com o cheiro de tempero. Uma experiência simplesmente impressionante sem utilizar nenhuma "máquina do tempo" para isso, apenas as ferramentas que já nasceram conosco e estão guardadas nas profundezas da nossa neuroanatomia. Impressionante o poder que a nossa mente tem de viajar no tempo quando impulsionada por um estímulo sensorial, como por exemplo o olfato nesse caso, mas poderia ser também uma música. Sem dúvidas um cheiro, um perfume, uma comida ou até mesmo um odor, nos remete com imensa realidade à alguma lembrança, talvez pela proximidade da área que o olfato é processado com o nosso lobo límbico no cérebro.  Isso me faz refletir sobre a fisiologia do nosso sistema límbico e do circuito ou formação de Papez. O circuito é atribuído à Papez, descrito em 1937 e formado por algumas estruturas do nosso sistema nervoso central que estão diretamente envolvidas em experiências emocionais e entre elas destacam-se o hipocampo e amígdala, ambos localizados no nosso lobo temporal, assim como o giro do cíngulo, tálamo e hipotálamo. Uma vez recebendo informações sensoriais, como por exemplo um estímulo olfativo, somos capazes de resgatar fácil e surpreendentemente na nossa formação hipocampal do lobo temporal do nosso cérebro, experiências passadas armazenadas como memória de longo prazo com riqueza de detalhes. Certamente se quisesse parar um dia, me concentrar e revirar meu lobo temporal atrás dessas lembranças remotas não conseguiria, portanto, nada como um boa experiência olfativa para lhe apresentar emoções diferentes e mudar um pouco o seu dia... Saudade daquela lasanha que nunca mais encontrei nem parecida, obrigado ao meu cérebro por me permitir essa experiência !!!